Quem somos

domingo, 4 de dezembro de 2011

O Baloiço


No centro do nosso pátio ergue-se um velho sicómoro, grande e imponente, embora humilde, como qualquer árvore, na sua submissão ao regular ciclo das estações do ano, e às inevitáveis transformações que vai sofrendo.
Por alturas da Primavera, tudo recomeça, sob a infalível batuta da Natureza, com o despontar dos minúsculos rebentos, tão frágeis e macios, que antecedem o eclodir das flores rosadas, cujo perfume intenso invade o espaço e nos entra pelas portas e janelas.
Mais tarde, com a aproximação do Verão, os ramos deixam-se vestir com um rendilhado manto verde, oferecendo-nos uma sombra generosa, fresca e acolhedora, atenuando o calor implacável que se abate sobre a casa e o jardim.
Entretanto, formam-se os pesados cachos de bagas verdes e brilhantes que, uma vez cumprido o Verão, acabam naturalmente por amarelecer, indo juntar-se ao tapete de folhas já mirradas e sem cor, nas tardes cinzentas e ventosas do Inverno.
Esta árvore, a cuja existência nos habituámos e que ocupa o centro do pátio, é uma referência que atrai o nosso olhar e nos congrega sob a sua copa, em volta de uma mesa, para uma conversa intimista, um silêncio partilhado, um copo refrescante ou um momento de leitura e de reflexão solitária, apenas interrompida pelo movimento furtivo de um gato que trepa pelos ramos em busca de um ninho.
O sicómoro também alberga pássaros, que buscam o refúgio dos seus ramos. É ali que nascem os novos pardais a cada Primavera. É ali que afinam as gargantas e se treinam, na ousadia jovem dos seus voos iniciáticos, e é ainda ali, que muitos deles acabam por sucumbir a uma morte súbita e prematura, mercê das garras afiadas dos gatos, em momentos de distracção fatais.
Há uma jovem nesta casa, que teve o privilégio de crescer à sombra desta árvore. Apenas com alguns meses de vida, era ao abrigo dos seus ramos que dormia a sesta, envolvida pela luz calma da tarde e pela mistura adocicada dos aromas campestres.
Foi à volta do murete redondo, que rodeia o canteiro onde se ergue a árvore, que ensaiou os primeiros passos - bem apoiada, até adquirir a segurança que lhe permitiu abalançar-se noutras aventuras. Foi junto ao seu tronco que descobriu os caracóis e os primeiros insectos rastejantes, que seguia com o olhar curioso e um dedo espetado, exclamando: “Bicho, bicho, bicho!”- num grito, cheio de entusiasmo, só comparável ao do cientista, quando chega ao fim de uma longa investigação bem sucedida.
Foi nesse muro que brincou, horas a fio, alinhando os pequenos tachos, onde cozinhava curiosas mistelas de folhas, terra e água. Era ali que brincava com as bonecas, que ia vestindo e penteando, afanosamente, ou onde organizava a misteriosa vida plástica dos Pinipons, nas suas casinhas liliputianas, adaptadas ao tamanho dos seus dedos.
Cresceu à sombra dos ramos do sicómoro e foi num desses ramos que um dos avós, conhecedor dos rituais de uma infância vivida no campo, pendurou um baloiço.
Um baloiço simples, feito com duas cordas firmes e uma tábua. Nada daqueles baloiços sofisticados, em forma de cadeirinha com costas. Aquele sim, era um baloiço dos antigos, onde se tem de aprender a ganhar equilíbrio e a não cair para trás - nada de facilitar a vida.
E assim, lá começou os seus voos, primeiro com ajuda, depois sozinha – tão, balalão, cabeça de cão - cada vez mais alto, - tão balalão, orelhas de gato - cada vez mais longe – tão balalão, não têm coração - com as pontas dos pés a chegar às folhas.
Foram horas de voo, horas de sonho e de libertação, em que ultrapassava o horizonte do seu espaço habitual.
Sentada no baloiço, superava o cume das colinas, imaginava-se, talvez, a viver para além dos limites a que estava confinada, espreitando um lado mais apetecido da vida.
Entretanto os anos passaram e partiu, seguiu naturalmente o seu caminho. O caminho de quem cresceu saudável, livre e independente. O caminho de quem constrói o seu próprio futuro, com trabalho e esforço, mas também com entusiasmo e confiança. Um futuro em parte ensaiado no movimento pendular de um modesto baloiço, sem apoio, onde é preciso manter o equilíbrio e não perder o embalo.
O seu baloiço ainda cá está, no mesmo sítio. As cordas são as mesmas que o avô lá pôs, só a tábua foi substituída – mas ao longo da vida também nós mudamos. No entanto, a essência mantém-se.
Agora tem vinte anos e temos a certeza que sempre que regressa a esta casa, onde cresceu, não é com indiferença que olha para aquela árvore do pátio, nem fica indiferente perante aquele baloiço tão simbólico.
Quem nos visita, também não resiste a sentar-se no baloiço e, no caso dos adultos, é evidente o brilho que lhes nasce no olhar, quando se balançam para a frente e para trás, numa cadência nostálgica, que traz até eles uma infância povoada de árvores frondosas, brincadeiras intermináveis, pequenas/grandes aventuras, um tempo de voos ensaiados onde se sonha e se aprende a crescer.

A.Braga

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Valha-nos o cheiro das maçãs...

O Outono está aí! Este ano não surgiu de forma lenta, quase sub-reptícia, como acontecia no tempo em que eu era criança, quando chegava a hora de cumprir o ritual de encadernar livros e cadernos, de comprar material escolar, botas de sola de borracha, de arranjar roupa adequada ao frio - de tecido áspero e desagradável -, ou de emendar as batas da escola, descendo bainhas e alargando as costuras.
Tudo isto, ainda me lembro, se fazia acompanhar de uma sensação de desconforto e de tristeza, um frio na barriga, pois terminava ali a liberdade dos longos dias de Verão que nos pareciam curtos, passados à solta. Acabava a alegria daquelas tardes quentes e preguiçosas, dos banhos no tanque, das noites mágicas, povoadas dos sons misteriosos de pequenos bichos que adivinhávamos no escuro, numa agitação imparável, de fazer inveja a quem adormecia de cansaço.
Era o tempo em que a casa rescendia a maçãs e a compotas e se enchia de taças de marmelada, cobertas de papel vegetal, alinhadas em tabuleiros de madeira, sempre num vai vem, fora e dentro, transportadas ao sabor do capricho dos céus, quando os raios de sol e as bátegas de água alternavam sem aviso prévio, até que
ficavam definitivamente aninhadas junto às vidraças, para assim apanharem o calor e secarem a humidade da calda que se formava à superfície.

Imagem da pequena barragem/charca situada na nossa Quinta da Ribaldeira

O Outono, nessa altura, era para mim representado pela imagem de um caminhante de idade respeitável, talvez de longas barbas e umas farripas de cabelo a espreitar na nuca, por baixo de um chapéu gasto e pardacento, que seguia sem pressas, pelas estreitas veredas, no meio dos campos e das matas sombrias, apoiado num bordão, que ía levantando, como se fosse uma varinha mágica. De braço estendido, como um deus todo poderoso, abrangia o cenário e espalhava sobre a Natureza sinais exteriores de uma decadência cíclica e inevitável: conferia às folhas as suas tonalidades amarelas e avermelhadas, murchava as raras flores que espreitavam das moitas e exercia o seu poder incomensurável, sobre a força da gravidade, puxando para o chão, semeado de poças de água, os frutos e as bagas que ainda pendiam das árvores e arbustos. Todos os dias repetia a caminhada, até completar a terrível tarefa de despir a Natureza dos seus enfeites estivais.
Agora, sem magia, o Outono surge repentinamente, chegando com atraso. O calor insalubre confunde a Natureza, prolonga-se no tempo, aumenta a vida dos insectos para lá do prazo habitual e cansa-nos.
Por onde andará o velho do bordão? Atrasou-se e tem, por isso, de andar mais depressa, queimando etapas? O Outono chega de um dia para o outro e, de súbito, a chuva instala-se, a frescura das árvores e das flores morre, de um só golpe, o sol aparece pouco e as tonalidades amarelas e avermelhadas das folhas passam a castanho num ápice, numa morte súbita, que as impede de atapetar o chão, com uma camada fofa, durante algum tempo, pelo menos o suficiente para as pisarmos, num passeio nostálgico, enquanto vamos tecendo comentários sobre o belo cenário. Uma espécie de Inverno antecipado cai-nos em cima, de repente.
Mas apesar destas alterações atmosféricas, há rituais que não deixamos de cumprir. Aqui em casa, continuamos a fazer doces e compotas, de tomate e de abóbora simples ou com frutos secos e o célebre arrobe, sem açúcar, feito com o mosto da uva fervido durante muito tempo, ao qual se acrescentam diversos frutos cortados em pedacinhos. É altura de apanhar a azeitona e de prepará-la à maneira do Ribatejo – pisada, com muita paciência, sem partir o caroço, e temperada com tomilho, orégãos e casca de laranja. Como é costume, fizemos broas doces e os meninos vieram pedir o “pão-por-Deus” no dia de Todos os Santos.
E, dentro de casa, inevitavelmente, cheira a maçãs.
Por isso, hoje, deixo aqui uma receita de Outono, feita com maçãs, arrobe e passas de uva, muito fácil de confeccionar. Trata-se de uma versão, à minha maneira, do Crumble, mas com um leve toque pessoal que faz a diferença.

Crumble de maçã com Arrobe
Ingredientes para 4 pessoas:
6 maçãs
2 colher de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de sultanas ou corintos
vinho do Porto ou da Madeira
canela em pó
2 colheres de sopa de arrobe
150 g de farinha
80 g de açúcar amarelo
80 g de manteiga
Preparação:
Ligue o forno e regule-o para os 225 °C. Descasque e corte as maçãs em pedaços pequenos. Ponha-as num recipiente que possa ir ao microondas e ao forno e junte o açúcar, as sultanas e o arrobe, misturando tudo.
Borrife com Vinho do Porto ou da Madeira e polvilhe com canela, a gosto. Tape e leve ao microondas entre 6 a 8 minutos, consoante a qualidade das maçãs (não se esqueça de mexer a meio do tempo).
Enquanto as maçãs estão no microondas, misture a farinha com o açúcar (se gostar perfume também com uma pitada de canela). Junte a manteiga cortada em pedaços e, com a ponta dos dedos, desfaça-a misturando-a com a farinha e com o açúcar, até obter uma areia grossa.
Espalhe esta massa sobre as maçãs e leve ao forno até dourar a crosta. Sirva morna ou fria e se quiser pode acompanhar com iogurte natural ou natas batidas, com ou sem açúcar.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

TERRA SÃ - Feira Anual da Agricultura Biológica 2011


Também participámos neste certame, que decorreu nos dias 7,8 e 9 do corrente mês, no Palácio de Cristal, no Porto.
Foi uma óptima oportunidade de vendermos e divulgarmos os nossos produtos junto do público e de estabelecermos contactos preciosos com futuros clientes, sediados quer no nosso país quer no estrangeiro.
Foram três dias de intensa actividade, cansativos, mas enriquecedores, pela troca de experiências e pela qualidade e quantidade de informação que colhemos junto de outros produtores e através das palestras que fizeram parte do programa.

Para ter uma visão mais pormenorizada da Feira, aceda ao link abaixo indicado.

http://www.cm-porto.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=cmp.stories/17433

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

WORKSHOP: PLANTAS AROMÁTICAS E MEDICINAIS

Venha passar um dia diferente no campo e aprender, com um Professor experimentado, a plantar, multiplicar, colher secar e utilizar muitas das plantas que tantas vezes nos surgem no caminho, sem que nos apercebamos do seu valor e utilidade.

No próximo dia 22 de Outubro, Sábado, entre as 10h00 e as 18h00, irá decorrer na Casa da Caldeira, um Workshop sobre Plantas Aromáticas e Medicinais.

A Formação incluirá um almoço, preparado com algumas das plantas que irão ser objecto de estudo.

Quem quiser poderá pernoitar na Casa da Caldeira e passar um fim de semana agradável.

O preço da Formação, incluindo o almoço, é de 40,00€.
As marcações terão de ser feitas até ao dia 19 de Outubro para os seguintes contactos:
969655521 ou 969655518 ou através do endereço mail: casadacaldeira@gmail.com

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

UM NOVO RECANTO NO JARDIM



É bom viver no campo! Sabe bem acordar com a passarada, brincando ao desafio, por entre a folhagem das árvores, num esvoaçar imparável, ao som de estridentes chilreios.
No Verão, é revigorante sair de manhãzinha por sendas escondidas, ladeadas de arbustos e silvados, carregados de amoras, ou deambular sob as copas de árvores centenárias: carvalhos, sobreiros ou azinheiras, com a folhagem a filtrar a luz do sol, retirando-lhe a intensidade ofuscante.
As tardes de verão convidam à sesta, sob a copa de uma grande árvore, cujos ramos formam regaços onde se aninham gatos felpudos e sonolentos.
É emocionante observar as andorinhas, ao fim da tarde, nos seus voos picados, sobre a superfície lisa da água. Ao vê-las, naquele exercício arriscado, ficamos na dúvida se pretendem apenas molhar o bico ou se se tratará de um ritual de iniciação, que as leva a ensaios repetidos, numa persistência que vulgarmente se considera apanágio dos homens.
Todos sabemos da beleza incomparável de um pôr-do-sol no campo, das tonalidades irrepetíveis - faixas difusas, multicolores a incendiarem a linha que delimita o azul dos montes ou do nascer de uma lua gigante, tela luminosa, onde se projectam as sombras dos pinheiros mansos e das pedras que coroam os montes em redor.
Sabe tão bem transpor a porta para o jardim a cada manhã e sentir o ar puro, por vezes cortante, no Inverno, deixar correr o olhar em volta, aspirar os diferentes aromas que enchem o espaço: a alfazema, a tília, a lúcia- lima…, passar os dedos pelos vasos coroados por fofas cabeleiras de alecrim ou de manjericão.
No entanto, o cenário de que nos rodeamos leva tempo a construir, não surge do nada.
A Natureza é teimosa. Se as ervas daninhas se apoderam de um determinado espaço, precisamos da tal persistência das andorinhas para as erradicarmos do nosso precioso jardim, sobretudo quando nos recusamos a recorrer a métodos radicais mas altamente nocivos, como é o caso das mondas químicas. Resta-nos, então, uma grande dose de paciência e ir arrancando periodicamente esses espécimes cuja razão de existir desconhecemos. Muitas vezes encaro isso como um exercício de catarse, transpondo para as malditas ervas todas as minhas raivas e ódios de estimação, o que se traduz na força com que extraio as respectivas raízes. Mas basta chover durante um dia ou dois, para que o chão se cubra de novos e malfadados rebentos. Nesta insistente tarefa, fui fazendo várias tentativas, goradas, de criar um recanto ajardinado, numa zona que há muito tempo eu queria ver transformada.
Ora, este Verão, vi nascer a esperança de concretizar esse sonho.
No final do mês de Junho recebemos dois estagiários – o Manuel e o Tiago – alunos do Curso Profissional de Turismo e Ambiente da Escola Secundária de Ferreira do Zêzere, que estiveram aqui, na Casa da Caldeira, durante seis semanas. Ao propor-lhes esse projecto, mostraram dominar as técnicas da jardinagem, uma vez que possuíam formação anterior adequada. Transmiti-lhes então o que pretendia, forneci-lhes as plantas e dei-lhes liberdade para executarem a tarefa, desde que não fugissem daquilo que eu idealizara.
Comprámos o material necessário – plástico preto para isolar o terreno e evitar o crescimento das ervas daninhas e casca de pinheiro para cobrir o chão. Depois, foi vê-los trabalhar com entusiasmo, usando as enxadas os sachos e as pás. De vez em quando ía observar o que faziam, ansiosa por ver o trabalho acabado e registei as imagens do antes e do depois.
Estou muito contente com o meu recanto, que veio valorizar o espaço exterior da nossa casa e hoje, aqui deixo o testemunho da minha satisfação e o reconhecimento de que foi graças ao Manuel e ao Tiago, ao seu trabalho e à sua criatividade, que concretizei esse projecto. De vez em quando há uma ou outra erva daninha que, teimosamente, consegue romper o plástico, mas ando sempre atenta e apresso-me a arrancá-las.
Havendo agora poucas ervas para arrancar, terei é de arranjar uma outra forma de canalizar os meus impulsos negativos.

A.Braga





domingo, 11 de setembro de 2011

Odete e Beatriz



São cerca de 9 horas da manhã. Ao cimo da rua, numa curva apertada, junto de um casebre em ruínas, que a cada chuvada se degrada mais, fazendo-nos temer que algum dia possa desabar sobre um incauto transeunte, surgem duas figuras de mulher, de andar ligeiro e voz prazenteira. Ao longe, percebe-se pelo andar e pela postura, que embora já não sejam jovens, são pessoas dinâmicas e determinadas, senhoras de si e, em grande medida, donas do seu próprio destino.
Vestem batas leves por cima da roupa e cobrem a cabeça, seja Verão ou Inverno, com chapéus brancos, de pano, versão moderna dos antigos lenços, presumo, uma vez que raramente deixam as cabeças a descoberto, mesmo quando estão a trabalhar dentro de casa. Se encontram alguém no caminho param, cumprimentam, inteiram-se da saúde ou do andamento da vida dos outros, solidarizam-se com as vizinhas nos pequenos ou grandes azares que se atravessam nas suas rotinas, comentam, sem intenção de se intrometerem nos assuntos alheios, que a sua longa experiência de vida, o bom senso e algum desaire no passado as ensinou a ser discretas, agindo com uma inteligência que faria inveja a muito cidadão letrado. Sim, porque, como não se cansam de repetir, “o diabo sabe muito, não por ser diabo, mas por ser velho”.
E assim, conversadoras e sorridentes, vão-se chegando ao velho portão verde, cujas manias e segredos conhecem melhor do que ninguém. ”Abre-te sésamo”, e ele abre-se, não para lhes dar acesso à célebre caverna do Ali Baba, resplandecente de tesouros, mas para entrarem no espaço onde irão passar o dia a trabalhar, esforçadas e pressurosas. Para entrar no “seu mundo”.
Odete e Beatriz, são estes os seus nomes, trabalham connosco na Casa da Caldeira há já muitos anos e posso dizer que a sua colaboração se tem revelado inestimável. São pessoas de confiança e tão próximas de nós como se fossem da família. Embora já tenham ultrapassado a casa dos sessenta, revelam uma energia invejável, que milagrosamente, apesar dos achaques, se renova a cada dia, e que as leva a transpor diariamente aquele portão com um sorriso rasgado, uma disponibilidade sincera, qualquer que seja a tarefa que as espera e um optimismo contagiante, que muitas vezes nos vem animar, mesmo naqueles dias em que há nuvens mais escuras a turvar a transparência dos nossos horizontes. São mulheres de fibra, criadas na aldeia, pertencentes a uma geração pouco escolarizada, que desde cedo se viu obrigada a trabalhar no campo e a enfrentar todas as adversidades, mas com uma sabedoria que herdaram das mães e das avós, sempre conscientes do papel que um dia as esperaria na família que viessem a constituir – um esteio forte e seguro, o centro de decisão da casa.
Estas senhoras encaram qualquer trabalho com a mesma garra: é preciso sachar as hortas, descascar fruta, tratar um animal que adoeceu de repente, amassar o pão e cozê-lo num bom forno de lenha, cuidar das flores com o desvelo e a atenção que as flores merecem, fazer panelões de compota, coser a bainha de umas calças em tempo record, preparar um arroz de cabidela para trinta pessoas? Aí estão elas, preparadas para entrar em acção e capazes de se organizar sem entrar em pânico!
Parecidas na indumentária, na capacidade de trabalho, na disponibilidade e na forma simpática e educada como comunicam, contudo são diferentes na maneira de ser. Talvez por isso se completem tão bem, formando uma equipa única, imprescindível à Casa da Caldeira.

domingo, 21 de agosto de 2011

A Visita dos Primos


No princípio do mês, tivemos o prazer de ter connosco durante alguns dias, que nos pareceram curtos, os primos Maria e António Calheiros de Azevedo.
Além da boa companhia que nos fizeram, trouxeram consigo a alegria contagiante da Maria, que mesmo em momentos de maior fragilidade física, mantém um senso de humor incomparável, e o engenho e disponibilidade do António, excelente cozinheiro e bom conhecedor de especialidades gourmet.
Com estes ingredientes, não se podia pedir mais. Graças a eles, sem sairmos de casa, sentimo-nos em férias e conhecemos e apreciámos algumas especialidades gastronómicas, que o António preparava num abrir e fechar de olhos, sempre bem disposto, revelando dotes invejáveis, sobretudo para quem, como eu, se sente um pouco cansada e sem imaginação para preparar as refeições.
Nesses dias tínhamos hóspedes no hotelzinho. Também eles tiveram ocasião de partilhar connosco alguns desses momentos, saboreando o pão caseiro, cozido aqui mesmo, os enchidos da região, assados na brasa, as belas saladas de tomate e de alface, agradavelmente coloridas com ervinhas de sabor mediterrânico, os biqueirões do Algarve bem envinagrados, o rabo de boi estufado em vinho tinto, acompanhado de abóboras e de grão, a sopa de beldroegas com queijos e ovos escalfados, a tarte de legumes feita com natas de aveia e especiarias, os morangos silvestres e a nossa sobremesa habitual de gelado com figos em calda.
O vinho não foi esquecido e do frisante branco aos tintos, fizemos diversas provas, tendo concluído pela excelência de alguns deles.
Os almoços, servidos numa mesa ao ar livre, à sombra dos pinheiros e não longe da piscina, eram habitualmente observados pelo olhar atento e expectante dos gatos, na esperança de que alguma coisa sobrasse para eles, saturados que estão da sua comida habitual.
Desta temporada de agradável convívio e refeições saudáveis, preparadas sobretudo com legumes provenientes da agricultura biológica, segue-se uma breve reportagem fotográfica que eu fui buscar ao álbum que a prima Maria criou, com o sugestivo título de “Dias de Paz na Casa da Caldeira”.
E, à laia de nota, para quem quiser passar uns dias na Casa da Caldeira, fica também a esperança de que a sua estadia coincida com uma visita do primo António Calheiros de Azevedo. Isso é que era sorte!








sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A Alma da Casa


Esta não é a casa onde nasci.
A Casa onde nasci tinha grandes janelas de velhas vidraças, que em certas zonas distorciam as imagens lá de fora.
Numa das salas entre paredes forradas de tecido, havia quatro Anjos, sentados em volta de uma mesa com uma jarra cheia de hortenses.
Havia portas altas e castanhas, que rangiam no rés do chão. No primeiro andar eram mais leves e soltas e abriam-se para os quartos onde à noite se recolhiam os Anjos para descansarem nas suas camas de linho imaculado.
Os outros habitantes da casa não eram anjos – havia adultos e crianças, como eu, e estavam num nível mais terreno – às vezes tinham pensamentos feios, mas também se apaixonavam, afadigavam-se em torno de tarefas muito prosaicas, irritavam-se e eram capazes de dizer palavras desagradáveis que podiam ferir.
Na casa onde eu nasci, havia salas com nomes: sala do piano, sala de costura, sala de jantar, sala de espera, sala de pensos/consultório. Era uma casa/hospital, onde nos tratavam das maleitas com mezinhas antigas. Por vezes, o tratamento era uma conversa a meia voz, ao colo de um dos Anjos, que sabia exactamente o que dizer na altura própria ou que apenas esboçava um gesto para travar as lágrimas, quando estas teimavam em nos saltar dos olhos.
Na casa onde eu nasci, havia gatos esquivos e cães que conheciam a linguagem e o olhar dos Anjos e dos outros habitantes. Havia um quarto decorado em tons de cor de rosa, com duas camas e colchas tecidas, de rosetas feitas com trapinhos brancos parecidos com confeitos. Aí, o sol nascia todas as manhãs pela frincha das portadas, cuja idade era disfarçada pelas sucessivas camadas de tinta clara. Era um sol especial, com longos braços, que me puxava para fora da cama e conduzia os meus passos até ao jardim.
O chão da minha casa cheirava a cera e era polido às sextas-feiras por uma mulher de olhar doce, pequena e franzina que falava a cantar.
A casa onde eu nasci tinha uma alma grande, que era a soma das almas dos Anjos e dos que não eram anjos. As almas dos que ali tinham vivido outrora haviam-se colado às paredes, aos móveis e aos objectos. Faziam assim, parte integrante da alma grande da casa. E sempre que eu saía, levava essa alma comigo.
Às vezes, essas velhas almas revelavam-se através de pequenas histórias contadas ao redor da mesa do chá, por entre o tilintar das colheres. Também surgiam, de repente, no sabor de um prato que se comia com um misto de curiosidade e de prazer: uma sopa de castanhas, uma carne de vinha de alhos, um leite creme… Era assim que íamos incorporando na nossa, as almas dos bisavós, que viviam em retratos pendurados na parede da sala. E ao olhá-los, sentia que os tinha conhecido e coabitado com eles. As paredes e os objectos falavam uma linguagem que eu conhecia. De olhos fechados, identificava o cheiro particular de cada habitante. Os Anjos usavam perfumes comprados avulso, todos diferentes uns dos outros, que depois vertiam para frasquinhos servindo-se de um minúsculo funil. Os lencinhos delicados que habitualmente guardavam, de forma discreta, na manga, estavam impregnados desses singulares cheiros, para mim inconfundíveis. Os que não eram anjos cheiravam a diversas coisas – tabaco de cachimbo, verniz das unhas, madeira de sândalo, maçãs bravo de esmolfe, alho, alfazema, cera, benzina de limpar os fatos ou sabão de alcatrão, que tornava os cabelos sedosos …
Na casa onde nasci havia um sótão com objectos mágicos, uns guardados, outros esquecidos. Podiam ser livros, caixas de sapatos cheias de casulos, abandonados nas suas teias macias de fios de seda, uma vez concluído o ciclo dinâmico das metamorfoses, cartas de amor, malas com roupa – velhos espartilhos, casaquinhas de veludo puído, roupa de carnaval, uma farda militar, religiosamente envolvida em papel de seda, em memória do avô que morrera antes dos trinta anos, aquele jovem bonito, cuja fotografia na mesa de cabeceira da avó tanta confusão me fazia – sentia-me estranha. Não achava normal ter-se um avô tão novo.

Um destes dias, a minha prima Maria, que veio estar comigo e que passou a sua infância e adolescência perto de nós, a entrar e a sair daquela antiga casa, dizia-me, olhando em volta: “Esta casa (a minha casa actual) lembra-me a casa dos Casais (Casais do Campo, onde ficava a outra casa). E eu, espontaneamente, quase sem pensar, respondi-lhe: “Sabes, é a Alma! Veio com os objectos que trouxe de lá! E veio comigo, ”acrescentei.
Ficámos caladas, a pensar. Não lhe perguntei, mas sinto que naquele momento, no meio daquele silêncio, tanto ela como eu, reconhecemos que, enquanto tivermos memória, levaremos connosco, para onde quer que vamos, a tal Alma da casa onde nascemos ou crescemos. Para nós, é uma Alma enorme, que abarca a nossa infância, todos os sons e todos os cheiros, que abarca aqueles que mais amamos e que nos acompanharam, os que apenas viviam nos retratos e as inúmeras histórias que vivemos ou que ouvimos contar.

Gostava tanto que um dia, a minha filha, para onde quer que vá, possa levar consigo a Alma desta casa. Esta, onde agora vivemos. Seria bom sinal.

A.Braga

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Memórias de um Cão


Sinto-me velho, trôpego e sem forças. Os meus olhos e os meus ouvidos traem-me constantemente - não percebo quando me chamam, não distingo o tom em que me falam, nem sequer consigo vislumbrar qual a porta por onde devo entrar ou sair de casa. O próprio olfacto já não se compara com o que era, sendo agora necessário aproximarem-me do nariz os bocados de comida, que dantes eu identificava a metros de distância. Às vezes sinto-me inexplicavelmente confuso e assustado, tremo convulsivamente, descontrolo-me e não sei onde estou nem reconheço os que me rodeiam. Depois passa, mas demoro bastante tempo a recompor-me e fico esgotado, como se alguém me tivesse maltratado.
Passo grande parte do dia a dormir e tenho sobressaltos durante o sono - dizem que gemo, numa espécie de choro aflito e ritmado. Tenho memórias vagas, mas assustadoras, desses pesadelos: prendem-me, sou levado para longe daqueles a quem me afeiçoei, percorro cenários que não conheço, paisagens desertas, sem gente nem bichos, terra queimada, inóspita, e sinto saudades das caras conhecidas e do conforto da casa a que me habituei e onde me sinto tão seguro. Fico aterrado, sobretudo por ter de enfrentar o desconhecido, depois de tantos anos a viver num lugar acolhedor, onde sempre me movimentei com à vontade e onde todos se mostram simpáticos e compreensivos.
Sempre gostei da rotina dos meus dias nesta casa de campo, conseguindo aliar o conforto e a estabilidade a uma vida livre, de corajoso aventureiro, certo de poder contar no regresso das minhas deambulações pela aldeia, com um bom prato de comida, umas festas e um canto confortável para descansar, mesmo sabendo que às vezes me esperava um ralhete, por parte de quem se preocupou desde sempre com a minha segurança.
Nasci há 15 anos, num dia de Primavera, numa pequena aldeia aninhada nas faldas da Serra de Aire. Dois meses depois, apareceu por lá um grupo divertido e barulhento, onde havia uma criança cheia de caracóis e uma mãe simpática e paciente, mas firme, que me adoptou de imediato, tomando conta da minha vida a partir desse dia. Trouxeram-me, então, para este novo lugar que seria a minha futura casa. Não nego que me custou a separação, sobretudo da minha mãe, mas também do meu pai e dos meus irmãos, tão alegres e irrequietos como eu. No entanto, fui tão acarinhado e tratado com tal desvelo, que os mimos ajudaram rapidamente a ultrapassar esse desgosto.
Afeiçoei-me especialmente à mãe da menina dos caracóis – achei que sendo mãe de uma criança, também poderia ser uma espécie de mãe para mim. Por esse motivo, aproximei-me sobretudo dela, pelo que não sei se foi esta mãe humana que me adoptou ou se fui eu que a adoptei a ela, mas isso agora não tem grande importância. Nas primeiras noites dormi num cesto ao lado da sua cama e quando acordava assustado a meio da noite, o calor da sua mão na minha cabeça e no meu lombo acalmava-me. Também me lembro que rapidamente me comecei a habituar ao seu cheiro, que passei a distinguir de todos os outros cheiros, fazendo-me sentir mais seguro. Sempre que ela se afastava, gostava de me enroscar numa qualquer peça de roupa que lhe pertencesse, para substituir a sua presença. Foi por isso que um dia lhe roubei um casaco de malha encarnado que ela costumava usar e, num acesso de raiva, durante a sua ausência, rasguei-o em vários bocados, pelo que o casaco, já sem utilidade para ela, passou a pertencer-me por direito, até não restar mais do que um minúsculo farrapo, que eu insistia em transportar comigo, para onde quer que fosse. No dia em que o dito farrapinho desapareceu, de tão ínfimo que se tornara, atingi o estado adulto e deixei-me de dependências lamechas, embora continue a sentir uma ligação muito especial à minha dona. Esta história é relembrada ainda hoje e o meu gesto, entendido como uma prova de grande astúcia, é um facto de que muito me orgulho, assim como a afirmação, também muitas vezes repetida, de que a raça a que pertenço, Serra de Aires (cão pastor do Alentejo) é considerada a mais inteligente das raças portuguesas.
Durante estes 15 anos tive muitos amigos – o burro Jericó, que ajudei a recolher muitas vezes, e vários gatos, alguns já desaparecidos e que recordo com saudade, embora gostasse de os arreliar, obrigando-os a fugas vertiginosas pelos troncos do sicómoro do pátio. Tenho sobrevivido à maioria desses companheiros e lamento que tenham partido antes de mim. Refiro-me ao Rufino, ao velho Cavalinho de Pau, à Dalila, ao Sansão e, ultimamente, ao Sebastião, um simpático gato amarelo que muitas vezes me acompanhou nas sestas. Agora há por aí um cão novo, o Cacau, bastante imaturo, de quem fujo a sete pés e que me dá cabo do juízo com a sua irrequietude.
Os outros animais que aqui habitam, confesso que nunca me despertaram quaisquer sentimentos de amizade ou de admiração. São galinhas e patos que vivem num mundo à parte, no reduto das suas capoeiras, preocupados sobretudo, com aspectos comezinhos ligados à alimentação e pouco dados a relacionamentos mais profundos com outros seres.
Como qualquer cão que se preza, tive alguns inimigos na aldeia, um dos quais travou comigo a última grande luta corpo a corpo, graças à qual perdi um dos meus enormes dentes caninos, arma terrível de que me servi tantas vezes para atacar os meus rivais, pretendentes às minhas cadelas preferidas. Posso dizer, com uma certa vaidade, que fui o Rei da aldeia durante muitos anos e confesso que agora sinto uma certa humilhação por ter descido tão baixo. Por isso, ultimamente, evito sair à rua, mantendo-me discretamente afastado, atitude mais adequada a um velho alquebrado, como eu.
Ao longo da minha vida, já bastante longa para um cão, tenho naturalmente, sofrido alguns acidentes. Ainda conservo cicatrizes e padeço de algumas sequelas desses infortúnios, mas apesar de tudo, tenho sido bastante resistente. Sinto uma grande ligação a esta casa e às pessoas que aqui vivem e trabalham – considero-os como família. Se alguém se ausenta por um período de tempo mais prolongado, é com uma enorme alegria que os recebo quando chegam. Apesar das dores nos ossos, continuo a saltar à volta deles mal saem do carro e o meu ladrar, que eu sinto mais fraco e rouco, faz-se ouvir com entusiasmo nessas ocasiões.
Ainda não percebi bem o que me está a acontecer, mas ultimamente, dou por mim a olhar para os meus donos com uma enorme dedicação e sofro muito quando eles se afastam. A menina dos caracóis cresceu e parece-me sempre demasiado ocupada para se deter muito tempo a reparar em mim, mas as pessoas mais velhas da casa, a mãe e o pai – vou-lhes chamar assim – e as minhas queridas e dedicadas amigas Beatriz e Odete – parecem olhar-me com um misto de ternura e de tristeza, como se eu estivesse de partida. Porque será? Partir não está nos meus planos. Por mim, ficarei aqui para sempre.
Xico


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Podem ser assim as tardes de Verão.

Deixe-se envolver pela paisagem, num ambiente de calma e silêncio, apenas interrompido pelos sons do campo e da Natureza.
Sente-se à sombra e leia um bom livro, mas não deixe de levantar os olhos para assistir ao espectáculo das andorinhas nos seus voos picados sobre a água.
Aceite que o sol lhe aqueça o corpo e a alma e descontraia-se, mergulhando na piscina.
Depois disto, só lhe resta tomar uma bebida ao entardecer, em boa companhia, para poder dizer que o dia foi perfeito.





terça-feira, 19 de julho de 2011

Liberdade







Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para os nossos gatos, também eles, donos do espaço que habitamos

Ode ao Gato




Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.

José Jorge Letria, in "Animália Odes aos Bichos"

terça-feira, 14 de junho de 2011

A Caldeira


Embora em nossa casa já não se fabrique aguardente, o nome “Casa da Caldeira” tem origem nessa actividade que aqui se praticou durante muitos anos. Desse tempo resta a caldeira (o alambique) e os belíssimos tambores de cobre que hoje, além de objectos decorativos, constituem um elo de ligação ao passado e uma homenagem a quem se afadigou durante longas horas, alimentando o fogo e controlando os mecanismos deste engenho.
Eis aqui um pequeno apontamento a propósito da História da Destilação de Bebidas Alcoólicas
O processo de destilação (do Latim 'de-stillare' que significa 'gotejar’) consiste na separação de um líquido através da sua evaporação e condensação. O exemplo mais simples deste processo pode observar-se quando o vapor de uma caldeira se deposita em gotas de água destilada numa superfície fria. A destilação é empregue para separar líquidos de sólidos não voláteis, assim como na separação de licores alcoólicos de matérias fermentadas, na separação de dois ou mais líquidos com diferentes pontos de ebulição, na separação de gasolina, petróleo e óleos lubrificantes extraídos a partir do crude. Outras aplicações industriais incluem a dessalinização da água do mar (extrair a salinidade da água para a tornar potável).
No século IV a.C., Aristóteles sugeriu a possibilidade de se efectuarem destilações, tendo escrito que: "Através da destilação podemos tornar a água do mar potável e o vinho, assim como outros líquidos podem ser submetidos a este mesmo processo”. Com efeito, a destilação é um processo antigo, remontando ao ano 2000 a.C. Considera-se que as primeiras destilações se fizeram na China, Egipto e na Mesopotâmia e tinham, sobretudo, propósitos medicinais, mas também visavam a criação de bálsamos, essências e perfumes. Na Mesopotâmia, por volta do ano 1810 a.C. a perfumaria do rei Zimrilim empregou este método para todos os meses fazer centenas de litros de bálsamos, essências e incensos de cedro, cipreste, gengibre e mirra. As destilações efectuadas visavam a produção de cosméticos, substâncias medicinais e substâncias utilizadas no embalsamamento de mortos e na realização de rituais espirituais. A rainha Cleópatra conhecia a arte da destilação e pensa-se que fez um relatório deste processo, texto esse que se perdeu. No século I, o físico grego Pedanius Dioscurides fez uma menção a este processo após ter observado a condensação na tampa de um recipiente, no qual tinha sido aquecido algum mercúrio.
Os historiadores afirmam que o alambique foi, muito provavelmente, inventado por volta dos anos 200 ou 300 d.C., por Maria, a Judia ou por Zósimo de Panóplia, um alquimista egípcio cuja irmã, Theosebeia, inventou muitos modelos de alambiques e condensadores de refluxo. Outros afirmam que durante os séculos VIII ou IX, os alquimistas árabes planearam utilizar o alambique para obterem essências mais refinadas utilizadas nos perfumes, enquanto que outros alquimistas árabes o utilizaram para tentar converter metal em ouro. "Ambix” é uma palavra grega utilizada para designar um vaso com uma pequena abertura. Este vaso fazia parte do equipamento de destilação. Inicialmente os árabes mudaram a palavra “Ambix” para “Ambic” e chamaram “Al Ambic” ao equipamento de destilação. Mais tarde, na Europa, a palavra foi alterada para “Alambique”.
(Informação recolhida no site de: Destilarias Eau-de-Vie - Iberian Coppers S.A.)

domingo, 5 de junho de 2011

Gozo os campos





Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas idéias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma cousa dos ruídos indistintos das cousas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas órbitas,
E só um resto de vida ouve.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A Sociedade Portuguesa de Naturalogia visitou a Casa da Caldeira


Pamposto

Desta vez, o tradicional encontro de fim-de-semana, organizado pela Sociedade Portuguesa de Naturalogia, decorreu na região das Serra d’ Aire e Candeeiros. Os 19 convivas pernoitaram nas instalações da Casa da Caldeira (Correias – Rio Maior) do nosso amigo e diretor da Agrobio, Dr. Virgílio Pestana, que nos recebeu principescamente. Quer o sábado, quer o domingo, foram preenchidos com visitas a locais históricos, paisagísticos, etnográficos e ecológicos dos concelhos de Alcanena e de Rio Maior, onde vimos e aprendemos coisas deveras interessantes.
No domínio da gastronomia, para além dos acepipes de produção biológica apresentados pelo amigo Virgílio e sua esposa, a minha curiosidade pousou na descrição da Sopa de Pampostos, prato tradicional da freguesia de Arruda de Pisões.
Ora o que são pampostos? Nada mais, nada menos do que ervas campestres que vegetam espontaneamente nos prados húmidos e terrenos encharcados da região. Pois tais ervas são comestíveis, tal como outras plantinhas silvestres que temos abordado. Numa altura em que nos deparamos com mais de um milhão de hectares de terras de cultivo abandonadas, após a entrada de Portugal na União Europeia e enquanto não se volta à agricultura, a meu ver inevitável e desejável, mais não nos resta do que regressar à atividade recolectora dos tempos primitivos. Quiçá, teremos de andar à cata de alimentos naturais para prover a nossa subsistência alimentar e, nesta matéria, os saberes ancestrais do nosso povo revelam-se assaz preciosos.
O pamposto, segundo o livrinho “Nomes Vulgares de Algumas Infestantes e Respetivos Nomes Botânicos” de Fátima Rocha, editado em 1979 pelo Ministério da Agricultura, é também conhecido por margaça-de-inverno ou margaça-fusca. Trata-se de uma composta cujo nome científico é Chamaemelum fuscatum (classificação dada pelo ilustre botânico português, Brotero). Também aparece, para a mesma planta, a designação Anthemis fuscata. É, pois, uma vulgaríssima margaça, cuja espécie medicinal mais conhecida é a Chamaemelum nobile L que, tal como a camomila, possui propriedades tónicas, estimulantes, antiespasmódicas e emenagogas. As folhas podem ser usadas externamente em cataplasma, como analgésico (nevralgias e dores de cabeça).
Estou convencido de que o pamposto tem idênticas propriedades medicinais, dado que possui o mesmo óleo essencial, mencionado nos “Elementos da Flora Aromática” de Aloísio Fernandes Costa (edição de 1975). A maior diferença que se verifica em relação à nobile é que se trata de uma erva com folhas mais suculentas e daí o seu aproveitamento na culinária popular.
Podemos caracterizar o pamposto como herbácea anual, oriunda da região mediterrânica ocidental, de 5 a 30 cm de altura, sem pelos, pouco ramificada e de ramos ascendentes. As folhas, de verde-escuro, são alternas, muito recortadas e com lóbulos lineares. As flores marginais são liguladas. As pétalas são brancas e o disco central é amarelo vivo com inflorescências hermafroditas e tubulosas. As brácteas involucrais apresentam-se ovadas, de cor castanha. Os frutos formam aquénios. Os ingleses chamam-na “dog fennel” que, à letra, significa funcho canino, uma vez que a folhagem, sendo diferente, faz lembrar a do funcho. Por sua vez, os espanhóis apelidam-na de “mazanilla fina”, talvez pela sua vivacidade, já que brota em zonas húmidas com floração durante vários meses.
Com a devida vénia, vou então transcrever o que vem no livro “As Receitas de Rio Maior”, no que à citada erva diz respeito:
Sopa de pampostos com feijão seco e arroz
Ingredientes: pampostos, feijão, cebola, azeite, arroz, sal.
Arranjam-se os pampostos como qualquer outro legume verde, lavam-se e cozem-se em água. Escorrem-se e amassam-se para retirar o excesso de líquido. Passam-se ainda por duas águas para lhe diminuir o amargo. Deve-se ter em atenção a quantidade de pampostos colhidos, uma vez que reduzem em muito com a cozedura. Coze-se o feijão e junta-se-lhe a bolinha de pampostos. Ferve-se tudo com cebola picada, azeite e sal. Quando levantar fervura põem-se uns bagos de arroz a cozer.
E pronto, eis uma receita simples e saudável, adequada aos tempos de penúria que se avizinham. Ou será que estou a exagerar?

Miguel Boieiro

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Faça um fim de semana diferente na Casa da Caldeira


Programa:
6ªfeira (17 de Junho): Chegada / Acolhimento – 18h. Às 20:00h Jantar seguido de convívio e apresentação do espaço até as 22h.
Sábado (18 de Junho): Meditação 8:00h às 9:00h. Pequeno-almoço 9:00h às 10:00h. Lazer Tempo livre 10:00h às 11:00h. Aula de cozinha 11:00h às 13:00h. Almoço 13:00h às 14:30h. Caminhada 15:00h às 17:00h (pela Quinta e arredores). Noções de Agricultura Biológica e seus Benefícios. Lazer: Tempo Livre, Piscina 17:00h às 18:00h. Palestra com Prof. João Jorge – 18h às 20h. Jantar às 20:00h. Tertúlia às 21:30h.
Domingo (19 de Junho): Meditação 8:00h às 9:00h. Pequeno-almoço 9:00h às 10:00h. Lazer Tempo Livre - 10h às 11h. Aula de Cozinha 11:00h às 13:00h. Almoço 13:00h às 14:30h. Tertúlia 15:00h às 17:00h. Lanche Ajantarado e prova de produtos da Quinta. Círculo da Amizade e Despedida às 18:00h
Independente do Fim-de-semana reserve:
Aula de Cozinha (Inclui Refeição): 35€ Palestra e Jantar. 12,5€ + Donativos (para palestra)
Mais Informação e Inscrições: www.harmonia.pt.vu harmonia@portugraal.net
262 507 334 – 919 287 772.

terça-feira, 10 de maio de 2011

A Agricultura Biológica


Mensagens-chave:

“A produção biológica contribui para um nível elevado de diversidade biológica e para a preservação das espécies e habitats naturais.”

“A produção biológica faz um uso responsável da energia e dos recursos naturais.”

“A produção biológica tem em conta os equilíbrios locais e regionais e encoraja o uso de recursos locais.”

“A produção biológica aumenta a vida no solo, a fertilidade natural do solo e a qualidade da água.”

“ A produção biológica promove a saúde e bem-estar dos animais.”

“ A produção biológica vai ao encontro das necessidades específicas comportamentais dos animais.”

“ A produção biológica satisfaz o desejo dos consumidores de alimentos naturais, de elevada qualidade e saborosos.”

“A rotulagem biológica oferece confiança aos consumidores de que os seus produtos são produzidos de acordo com padrões biológicos controlados.”

“A produção biológica oferece ao mercado uma variedade diversificada de produtos, disponíveis através de vários canais de distribuição.”

“A produção biológica oferece garantias aos consumidores de que todas as empresas no sector biológico são regularmente inspeccionadas pelas autoridades.”

“A procura do consumidor por produtos de agricultura biológica está em crescimento, oferecendo oportunidades de negócio crescente em todos os sectores da cadeia de abastecimento de alimentos.”

“O crescimento da agricultura biológica gera novas oportunidades de trabalho e prosperidade nas economias rurais e contribui para o melhoramento das paisagens rurais.”

“A agricultura biológica oferece oportunidade aos membros da cadeia de abastecimento de alimentos para restabelecerem a ligação aos consumidores.”

“A cadeia de abastecimento de alimentos de agricultura biológica requer trabalhadores altamente qualificados e experientes.”

sexta-feira, 6 de maio de 2011

E se fosse pássaro?


E se fosse pássaro?
Teria grandes asas e havia de voar,
atrás dos desejos.
Descer e voltar a partir,
sem deixar nome, nem morada.
Subiria nos ares com a madrugada
e havia de furar a transparência das manhãs.
Poderia conhecer o lado de lá dos espelhos,
as margens dos mares encantados.
E rumar ao encontro do novo,
com a avidez de quem viveu pouco.
Não ficar presa ao fascínio de um gesto.
E no fim de cada noite,
criar a manhã que eu quisesse.
Sabendo que os gestos dos outros,
mesmo esses,
construímo-los nós com o olhar.

A.B.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Alojamento na Casa da Caldeira


A Casa da Caldeira é um pequeno hotel com dois pisos. No rés do chão, fica a recepção, a sala de refeições e a sala de estar, com lareira, equipada com TV cabo, recanto para leitura e espaço de lazer. Tem ainda uma cozinha e instalações sanitárias. No primeiro andar, ficam os 5 quartos, dois twins e três duplos, com casa de banho privativa, aquecimento central e ligação à internet.