O Outono está aí! Este ano não surgiu de forma lenta, quase sub-reptícia, como acontecia no tempo em que eu era criança, quando chegava a hora de cumprir o ritual de encadernar livros e cadernos, de comprar material escolar, botas de sola de borracha, de arranjar roupa adequada ao frio - de tecido áspero e desagradável -, ou de emendar as batas da escola, descendo bainhas e alargando as costuras.
Tudo isto, ainda me lembro, se fazia acompanhar de uma sensação de desconforto e de tristeza, um frio na barriga, pois terminava ali a liberdade dos longos dias de Verão que nos pareciam curtos, passados à solta. Acabava a alegria daquelas tardes quentes e preguiçosas, dos banhos no tanque, das noites mágicas, povoadas dos sons misteriosos de pequenos bichos que adivinhávamos no escuro, numa agitação imparável, de fazer inveja a quem adormecia de cansaço.
Era o tempo em que a casa rescendia a maçãs e a compotas e se enchia de taças de marmelada, cobertas de papel vegetal, alinhadas em tabuleiros de madeira, sempre num vai vem, fora e dentro, transportadas ao sabor do capricho dos céus, quando os raios de sol e as bátegas de água alternavam sem aviso prévio, até que
ficavam definitivamente aninhadas junto às vidraças, para assim apanharem o calor e secarem a humidade da calda que se formava à superfície.
Imagem da pequena barragem/charca situada na nossa Quinta da Ribaldeira
O Outono, nessa altura, era para mim representado pela imagem de um caminhante de idade respeitável, talvez de longas barbas e umas farripas de cabelo a espreitar na nuca, por baixo de um chapéu gasto e pardacento, que seguia sem pressas, pelas estreitas veredas, no meio dos campos e das matas sombrias, apoiado num bordão, que ía levantando, como se fosse uma varinha mágica. De braço estendido, como um deus todo poderoso, abrangia o cenário e espalhava sobre a Natureza sinais exteriores de uma decadência cíclica e inevitável: conferia às folhas as suas tonalidades amarelas e avermelhadas, murchava as raras flores que espreitavam das moitas e exercia o seu poder incomensurável, sobre a força da gravidade, puxando para o chão, semeado de poças de água, os frutos e as bagas que ainda pendiam das árvores e arbustos. Todos os dias repetia a caminhada, até completar a terrível tarefa de despir a Natureza dos seus enfeites estivais.
Agora, sem magia, o Outono surge repentinamente, chegando com atraso. O calor insalubre confunde a Natureza, prolonga-se no tempo, aumenta a vida dos insectos para lá do prazo habitual e cansa-nos.
Por onde andará o velho do bordão? Atrasou-se e tem, por isso, de andar mais depressa, queimando etapas? O Outono chega de um dia para o outro e, de súbito, a chuva instala-se, a frescura das árvores e das flores morre, de um só golpe, o sol aparece pouco e as tonalidades amarelas e avermelhadas das folhas passam a castanho num ápice, numa morte súbita, que as impede de atapetar o chão, com uma camada fofa, durante algum tempo, pelo menos o suficiente para as pisarmos, num passeio nostálgico, enquanto vamos tecendo comentários sobre o belo cenário. Uma espécie de Inverno antecipado cai-nos em cima, de repente.
Mas apesar destas alterações atmosféricas, há rituais que não deixamos de cumprir. Aqui em casa, continuamos a fazer doces e compotas, de tomate e de abóbora simples ou com frutos secos e o célebre arrobe, sem açúcar, feito com o mosto da uva fervido durante muito tempo, ao qual se acrescentam diversos frutos cortados em pedacinhos. É altura de apanhar a azeitona e de prepará-la à maneira do Ribatejo – pisada, com muita paciência, sem partir o caroço, e temperada com tomilho, orégãos e casca de laranja. Como é costume, fizemos broas doces e os meninos vieram pedir o “pão-por-Deus” no dia de Todos os Santos.
E, dentro de casa, inevitavelmente, cheira a maçãs.
Por isso, hoje, deixo aqui uma receita de Outono, feita com maçãs, arrobe e passas de uva, muito fácil de confeccionar. Trata-se de uma versão, à minha maneira, do Crumble, mas com um leve toque pessoal que faz a diferença.
Crumble de maçã com Arrobe
Ingredientes para 4 pessoas:
6 maçãs
2 colher de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de sultanas ou corintos
vinho do Porto ou da Madeira
canela em pó
2 colheres de sopa de arrobe
150 g de farinha
80 g de açúcar amarelo
80 g de manteiga
Preparação:
Ligue o forno e regule-o para os 225 °C. Descasque e corte as maçãs em pedaços pequenos. Ponha-as num recipiente que possa ir ao microondas e ao forno e junte o açúcar, as sultanas e o arrobe, misturando tudo.
Borrife com Vinho do Porto ou da Madeira e polvilhe com canela, a gosto. Tape e leve ao microondas entre 6 a 8 minutos, consoante a qualidade das maçãs (não se esqueça de mexer a meio do tempo).
Enquanto as maçãs estão no microondas, misture a farinha com o açúcar (se gostar perfume também com uma pitada de canela). Junte a manteiga cortada em pedaços e, com a ponta dos dedos, desfaça-a misturando-a com a farinha e com o açúcar, até obter uma areia grossa.
Espalhe esta massa sobre as maçãs e leve ao forno até dourar a crosta. Sirva morna ou fria e se quiser pode acompanhar com iogurte natural ou natas batidas, com ou sem açúcar.
Hummm... deve ser uma delícia...
ResponderEliminar