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domingo, 11 de setembro de 2011

Odete e Beatriz



São cerca de 9 horas da manhã. Ao cimo da rua, numa curva apertada, junto de um casebre em ruínas, que a cada chuvada se degrada mais, fazendo-nos temer que algum dia possa desabar sobre um incauto transeunte, surgem duas figuras de mulher, de andar ligeiro e voz prazenteira. Ao longe, percebe-se pelo andar e pela postura, que embora já não sejam jovens, são pessoas dinâmicas e determinadas, senhoras de si e, em grande medida, donas do seu próprio destino.
Vestem batas leves por cima da roupa e cobrem a cabeça, seja Verão ou Inverno, com chapéus brancos, de pano, versão moderna dos antigos lenços, presumo, uma vez que raramente deixam as cabeças a descoberto, mesmo quando estão a trabalhar dentro de casa. Se encontram alguém no caminho param, cumprimentam, inteiram-se da saúde ou do andamento da vida dos outros, solidarizam-se com as vizinhas nos pequenos ou grandes azares que se atravessam nas suas rotinas, comentam, sem intenção de se intrometerem nos assuntos alheios, que a sua longa experiência de vida, o bom senso e algum desaire no passado as ensinou a ser discretas, agindo com uma inteligência que faria inveja a muito cidadão letrado. Sim, porque, como não se cansam de repetir, “o diabo sabe muito, não por ser diabo, mas por ser velho”.
E assim, conversadoras e sorridentes, vão-se chegando ao velho portão verde, cujas manias e segredos conhecem melhor do que ninguém. ”Abre-te sésamo”, e ele abre-se, não para lhes dar acesso à célebre caverna do Ali Baba, resplandecente de tesouros, mas para entrarem no espaço onde irão passar o dia a trabalhar, esforçadas e pressurosas. Para entrar no “seu mundo”.
Odete e Beatriz, são estes os seus nomes, trabalham connosco na Casa da Caldeira há já muitos anos e posso dizer que a sua colaboração se tem revelado inestimável. São pessoas de confiança e tão próximas de nós como se fossem da família. Embora já tenham ultrapassado a casa dos sessenta, revelam uma energia invejável, que milagrosamente, apesar dos achaques, se renova a cada dia, e que as leva a transpor diariamente aquele portão com um sorriso rasgado, uma disponibilidade sincera, qualquer que seja a tarefa que as espera e um optimismo contagiante, que muitas vezes nos vem animar, mesmo naqueles dias em que há nuvens mais escuras a turvar a transparência dos nossos horizontes. São mulheres de fibra, criadas na aldeia, pertencentes a uma geração pouco escolarizada, que desde cedo se viu obrigada a trabalhar no campo e a enfrentar todas as adversidades, mas com uma sabedoria que herdaram das mães e das avós, sempre conscientes do papel que um dia as esperaria na família que viessem a constituir – um esteio forte e seguro, o centro de decisão da casa.
Estas senhoras encaram qualquer trabalho com a mesma garra: é preciso sachar as hortas, descascar fruta, tratar um animal que adoeceu de repente, amassar o pão e cozê-lo num bom forno de lenha, cuidar das flores com o desvelo e a atenção que as flores merecem, fazer panelões de compota, coser a bainha de umas calças em tempo record, preparar um arroz de cabidela para trinta pessoas? Aí estão elas, preparadas para entrar em acção e capazes de se organizar sem entrar em pânico!
Parecidas na indumentária, na capacidade de trabalho, na disponibilidade e na forma simpática e educada como comunicam, contudo são diferentes na maneira de ser. Talvez por isso se completem tão bem, formando uma equipa única, imprescindível à Casa da Caldeira.

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