Os Viajantes
Nesta fase da
vida, apetece-me estar no meu canto. Agrada-me uma certa rotina. Faz-me falta a
minha ”zona de conforto”, como agora se diz, um lugar perto da janela, onde
possa ler um livro, tomar o meu chá ou um bom copo de vinho e olhar de vez em
quando através dos vidros, para observar as mutações do cenário ou as
brincadeiras domésticas dos gatos e dos passarinhos.
Se o tempo
deixar, saio, sento-me no quintal, vagueio pelos campos em redor, faço
jardinagem, respiro o ar puro, aconchego-me à sombra das árvores. Fecho os
olhos e deixo-me envolver no abraço revigorante dessa entidade suprema, que me
transcende e da qual também faço parte – a Natureza, na sua multiplicidade de
cores e de sons, dinâmica como um mar encapelado ou um céu por onde correm nuvens.
Noutros
tempos, gostava de me aventurar por longínquas paragens. O desejo de evasão era
mais forte e superava a ansiedade que me poderia assaltar, quando no outro
prato da balança estivesse o bem-estar, a segurança ou a previsibilidade do meu
dia-a-dia.
Talvez por me
sentir actualmente, mais propensa ao sedentarismo, mais presa a hábitos e a
espaços com os quais me identifico, me sinta fascinada, quando conheço alguém
capaz de se lançar à aventura por esse mundo fora, disponível para viver a
vida, tal como ela lhe surja ao virar da esquina, sem excessivas preocupações
com o dia de amanhã- “free as a bird”.
Masha e Martin
são como as aves – são jovens, descontraídos, sem ambições pretensiosas,
criativos. E adaptam-se aos lugares que vão habitando. Curiosos, apreciam o que
se esconde para lá do óbvio, procuram mergulhar na essência das coisas.
Estes novos
amigos e a sua filhinha Kettie, vêm de longe e ficarão algum tempo entre nós,
na Casa da Caldeira. São artistas
plásticos – ele alemão e ela ucraniana – transformaram a adega no seu atelier temporário, um espaço de
criação, onde além de desenhar e pintar, o Martin toca violino.
Reconhecidos pelo acolhimento que lhes
fizemos, irão decorar uma das paredes com um fresco alusivo à vida no campo. Será
talvez um mural festivo, a lembrar o trabalho na terra, o dinamismo da vida
rural, a alegria da preparação e da partilha da comida em torno de uma grande mesa,
a celebração no fim de uma tarefa…
Tal como eles,
o sol chegou, de surpresa. Entrou-nos em casa logo pela manhã e bateu nos
vidros, como um viajante há demasiado tempo ausente deste poiso. Encheu de luz
o meu canto atrás da janela e espalhou-se pelo jardim. Deu mais cor às flores,
acordou os pássaros, tornou os verdes
mais brilhantes e alegrou-me a alma.
É tempo de
sair e aventurar-me num passeio curto. No entanto, vou estar atenta a tudo o
que me rodeia - ver para além do óbvio.