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quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
domingo, 4 de dezembro de 2011
O Baloiço
No centro do nosso pátio ergue-se um velho sicómoro, grande e imponente, embora humilde, como qualquer árvore, na sua submissão ao regular ciclo das estações do ano, e às inevitáveis transformações que vai sofrendo.
Por alturas da Primavera, tudo recomeça, sob a infalível batuta da Natureza, com o despontar dos minúsculos rebentos, tão frágeis e macios, que antecedem o eclodir das flores rosadas, cujo perfume intenso invade o espaço e nos entra pelas portas e janelas.
Mais tarde, com a aproximação do Verão, os ramos deixam-se vestir com um rendilhado manto verde, oferecendo-nos uma sombra generosa, fresca e acolhedora, atenuando o calor implacável que se abate sobre a casa e o jardim.
Entretanto, formam-se os pesados cachos de bagas verdes e brilhantes que, uma vez cumprido o Verão, acabam naturalmente por amarelecer, indo juntar-se ao tapete de folhas já mirradas e sem cor, nas tardes cinzentas e ventosas do Inverno.
Esta árvore, a cuja existência nos habituámos e que ocupa o centro do pátio, é uma referência que atrai o nosso olhar e nos congrega sob a sua copa, em volta de uma mesa, para uma conversa intimista, um silêncio partilhado, um copo refrescante ou um momento de leitura e de reflexão solitária, apenas interrompida pelo movimento furtivo de um gato que trepa pelos ramos em busca de um ninho.
O sicómoro também alberga pássaros, que buscam o refúgio dos seus ramos. É ali que nascem os novos pardais a cada Primavera. É ali que afinam as gargantas e se treinam, na ousadia jovem dos seus voos iniciáticos, e é ainda ali, que muitos deles acabam por sucumbir a uma morte súbita e prematura, mercê das garras afiadas dos gatos, em momentos de distracção fatais.
Há uma jovem nesta casa, que teve o privilégio de crescer à sombra desta árvore. Apenas com alguns meses de vida, era ao abrigo dos seus ramos que dormia a sesta, envolvida pela luz calma da tarde e pela mistura adocicada dos aromas campestres.
Foi à volta do murete redondo, que rodeia o canteiro onde se ergue a árvore, que ensaiou os primeiros passos - bem apoiada, até adquirir a segurança que lhe permitiu abalançar-se noutras aventuras. Foi junto ao seu tronco que descobriu os caracóis e os primeiros insectos rastejantes, que seguia com o olhar curioso e um dedo espetado, exclamando: “Bicho, bicho, bicho!”- num grito, cheio de entusiasmo, só comparável ao do cientista, quando chega ao fim de uma longa investigação bem sucedida.
Foi nesse muro que brincou, horas a fio, alinhando os pequenos tachos, onde cozinhava curiosas mistelas de folhas, terra e água. Era ali que brincava com as bonecas, que ia vestindo e penteando, afanosamente, ou onde organizava a misteriosa vida plástica dos Pinipons, nas suas casinhas liliputianas, adaptadas ao tamanho dos seus dedos.
Cresceu à sombra dos ramos do sicómoro e foi num desses ramos que um dos avós, conhecedor dos rituais de uma infância vivida no campo, pendurou um baloiço.
Um baloiço simples, feito com duas cordas firmes e uma tábua. Nada daqueles baloiços sofisticados, em forma de cadeirinha com costas. Aquele sim, era um baloiço dos antigos, onde se tem de aprender a ganhar equilíbrio e a não cair para trás - nada de facilitar a vida.
E assim, lá começou os seus voos, primeiro com ajuda, depois sozinha – tão, balalão, cabeça de cão - cada vez mais alto, - tão balalão, orelhas de gato - cada vez mais longe – tão balalão, não têm coração - com as pontas dos pés a chegar às folhas.
Foram horas de voo, horas de sonho e de libertação, em que ultrapassava o horizonte do seu espaço habitual.
Sentada no baloiço, superava o cume das colinas, imaginava-se, talvez, a viver para além dos limites a que estava confinada, espreitando um lado mais apetecido da vida.
Entretanto os anos passaram e partiu, seguiu naturalmente o seu caminho. O caminho de quem cresceu saudável, livre e independente. O caminho de quem constrói o seu próprio futuro, com trabalho e esforço, mas também com entusiasmo e confiança. Um futuro em parte ensaiado no movimento pendular de um modesto baloiço, sem apoio, onde é preciso manter o equilíbrio e não perder o embalo.
O seu baloiço ainda cá está, no mesmo sítio. As cordas são as mesmas que o avô lá pôs, só a tábua foi substituída – mas ao longo da vida também nós mudamos. No entanto, a essência mantém-se.
Agora tem vinte anos e temos a certeza que sempre que regressa a esta casa, onde cresceu, não é com indiferença que olha para aquela árvore do pátio, nem fica indiferente perante aquele baloiço tão simbólico.
Quem nos visita, também não resiste a sentar-se no baloiço e, no caso dos adultos, é evidente o brilho que lhes nasce no olhar, quando se balançam para a frente e para trás, numa cadência nostálgica, que traz até eles uma infância povoada de árvores frondosas, brincadeiras intermináveis, pequenas/grandes aventuras, um tempo de voos ensaiados onde se sonha e se aprende a crescer.
A.Braga
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